Recreio e Barra concentram as maiores concessionárias de carros de luxo da cidade. Dentro deles, com todo conforto possível, se assiste à degradação humana e ao abismo social. Aqui na região, a sensação parece maior, pelo menos para os moradores. No Rio, ainda sem números oficiais, num levantamento mais recente da Defensoria Pública do estado apontou que pelo menos 15 mil pessoas estão em situação de rua. Muitos perderam ou nunca tiraram documentos de identificação. A Fundação Leão XIII começou em novembro do ano passado um trabalho de abordagem de pessoas que vivem em situação de rua na cidade para dar números oficiais.
Um comentário de uma moradora no facebook acendeu o tema e causa até o momento, discussões entre os membros. Na última vez que olhamos, já estava em 80. No post, ela levantava a questão da sujeira deixada na rua após inúmeras doações. E após uma seleção, o descarte era realizado ali.
“Bom dia a todos, vcs que se sensibilizam com o pessoal que fica nos sinais pedindo ajuda principalmente com crianças de colo, no sol, expostas a todo tipo de doença, poluição e tudo de ruim que existe, aos que não dão dinheiro mas dão outros tipos de ajuda, está aí nas fotos o que elas fazem com os objetos que não as interessam?”
As fotos abaixo seguem para ilustrar o pensamento da moradora que acabou desencadeando uma sequência de comentários. No post, ela mostrava a sujeira deixada pela população de rua e comentava que pratos de comida ficavam nas calçadas sob efeitos do tempo e que em cada sinal essa cena se repetia. As opiniões são diversas, umas até agressivas. Se a questão for abordado só pela questão do lixo descartado, os números só do Carnaval na Barra da Tijuca podem apontar que isso independe de ser morador de rua ou dizer que é um comportamento de quem vive em comunidade. A Comlurb recolheu na Barra da Tijuca 142 toneladas de lixo. Já em Ipanema e Leblon, 90 toneladas. No Recreio, 63 toneladas, no Piscinão de Ramos, 17 e na Ilha do Governador, 32,5 toneladas.
O RJ TV até produziu uma matéria mostrando a solidariedade de um empresário que se mostrava sensibilizado com a situação após passar na Baltasar da Silveira e ver uma menina que segurava um cartaz : “Troco uma máscara por um alimento“.

Existem aqueles que defendem não alimentar essa cadeia sem dar escolas. E tem também o grupo que defende a tese de que sem educação eles não tem como discernir o que é certo ou errado .
A moradora que iniciou a discussão até justifica que a intensão era chamar a atenção para o descarte mal utilizado:
“Sras e Srs, eu não fiz o post para as pessoas deixarem de doar, doem para instituições, igrejas, orfanatos, pq essas pessoas q ficam com crianças de colo pedindo, estão apenas usando as crianças para sensibilizar e conseguir as coisas fáceis e estão cometendo um crime. E além disso, aquilo tudo q não interessa a elas ( brinquedos, roupas, sapatos, etc) são descartados como estão nas fotos, pois as crianças só estão ali para sensibilizar os transeuntes a doarem apenas o q interessam a elas que é o dinheiro“, completou.
Mas não adiantou e as opinião foram diversas.
Moradora do Recreio, a psicóloga, Raquel Canabarro, (CRP 05-51054), que atende no IMF(Imuno Fluminense) explica que a discussão vai além das questões de se é certo ou não pedir, e sim, uma questão de sobrevivência:

“Essa discussão é muito importante e necessária, mas cabe lembrar que antes da educação, do sentimento de respeito por si ou pelo outro, o ser humano precisa suprir suas necessidades básicas como beber água, comer, respirar, ou seja, necessidades fisiológicas. Só a partir de supridas que o ser humano terá condições de avançar em direção a outras necessidades como educação, emprego e saúde. Na foto da menina com o cartaz “troco uma máscara por comida”, temos um exemplo claro da necessidade primária de alimentação. Então a discussão não é sobre educação ou o que as pessoas do sinal fazem com o que ganham. A discussão importante é sobre como é possível suprir às necessidades básicas primárias de uma população carente para que ela possa estar apta a avançar para outras necessidades como estudar, trabalhar, melhorar sua autoestima e ter respeito por si e pelos outros. Infelizmente estamos carentes de um Estado que não cumpre com o dever de dar à população carente as condições básicas de sobrevivência e educação. Cabendo muitas vezes a população civil ajudar de forma paliativa, através de doações tentando suprir o que o Estado não consegue fazer“, comenta a psicóloga.
Se engana quem acha esse problema seja pontual por aqui. Pedinte, mendigo, sem-abrigo ou sem-teto, independente da nomenclatura, existem no mundo inteiro. E o comportamento vai variar de acordo com o país em questão, ou até mesmo de estado, como no caso dos Estados Unidos que tem território amplo.

Nova York e Los Angeles encabeçam os primeiros da lista, mas alguns estados já ganham seu espaço nesse saldo negativo, como Portland, que tem parte do chamado Silicon Forest (Floresta do Silício, em tradução literal) – apelido dado ao grupo de empresas de alta tecnologia localizadas na área metropolitana – e os novos residentes se mudaram para lá nos anos pós-crise, atraídos pelas empresas de alta tecnologia e seus trabalhos bem remunerados.
Existem inúmeros programas de governo, apesar de cada um lidar com o fato de acordo com sua realidade. Nos EUA, apesar de Donald Trump estar empenhado em cortar essa ‘ajuda” as pessoas em situação de rua recebem ajuda financeira do governo, girando em torno de 1.200 a 1.500 dólares por mês. mas vale lembrar que o aluguel por lá é alto também.

A Feantsa, organização que promove o direito à moradia na União Europeia descobriu que todas as nações do bloco, com exceção da Finlândia, enfrentam uma crise de falta de moradia disponível para pessoas em situação de vulnerabilidade.
Uma investigação parlamentar no Reino Unido identificou, por exemplo, que o número de moradores de rua na Inglaterra aumentou 30% entre 2014 e 2015 e números parecidos 4 anos depois.
A Feantsa calcula, por sua vez, que a Dinamarca registrou um aumento de 75% no número de jovens sem-teto desde 2009. Em Atenas, capital grega, a organização estima que uma em cada 70 pessoas durma ao relento.
Em Paris, as pessoas sem teto são chamadas de clochard, e o número delas vem aumentando significativamente. Nos últimos anos, emigrantes de países pobres têm se somado aos clochards locais.
Mendigos franceses dormem em todos os lugares: parques, metrô e avenidas. E existe uma hierarquia na sociedade dos clochards: os novatos se instalam em áreas mais remotas das periferias, enquanto os “experientes” ocupam os melhores lugares, que garantem melhor faturamento. Quanto maior o status do clochard, mais rentável é seu “ponto”. Geralmente, o governo francês faz o possível pelas pessoas sem lar: comida grátis e um teto para os dias de mais frio. Mas garantir esses benefícios a um número tão grande de pessoas é uma tarefa difícil.

Na Rússia, 75% dos moradores de rua estão na idade produtiva, entre 20 e 50 anos.
Existe um site chamado Real View Tour que oferece exclusivamente para homens algo como um “dia de mendigo”. Mediante o pagamento adiantado de US$ 2 mil (R$ 4,4 mil), você tem direito a passar três dias como morador de rua. O objetivo é mostrar às pessoas ricas como é a vida de alguém pobre em Seattle.
O programa inclui dormir em abrigos coletivos, passear em bibliotecas e parques públicos frequentados por mendigos, e até mesmo ser mal-tratado ao tentar entrar em um restaurante de luxo. O site também aconselha a prática da mendicância.
“Eu aprendi que não há o que temer sendo mendigo, apesar de ninguém aspirar isso. Você vai ter uma nova visão das pessoas que estão nesta situação”, afirma o idealizador do site Mike Momany, que é responsável pela organização do “tour”.
E você , o que acha?